A VEDAÇÃO AO NEPOTISMO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


1. Introdução


Um tema recorrente em concursos públicos e também no cotidiano se trata do nepotismo no serviço público. Neste artigo, você poderá tirar as principais dúvidas e verificar o posicionamento das Cortes Superiores a respeito do tema.

2. O que é nepotismo?


O nepotismo é um termo utilizado para designar o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego[1]. Em outras palavras, a prática consiste na valorização das relações de parentesco entre empregado e empregador.


No âmbito da Administração Pública, então, o nepotismo nada mais é do que a nomeação de parentes, consanguíneos ou por afinidade, para ocupar cargos públicos. Podemos verificar a prática, por exemplo, quando um deputado nomeia como assessora em seu gabinete sua esposa.

Além da forma tradicional de nepotismo, quando a autoridade administrativa nomeia em um cargo ou função de confiança um parente, há ainda o denominado nepotismo cruzado. Neste caso, há um acordo de interesses entre duas autoridades: são nomeados parentes uns dos outros. Em termos mais claros, o nepotismo cruzado pode ocorrer, por exemplo, quando um juiz e um promotor combinam de nomear as esposas um do outro para atuarem em seus gabinetes.

3. Nepotismo e princípios da Administração Pública


Não é difícil de verificar que a prática há muito tempo é realizada no Brasil, sendo um mal impregnado na cultura administrativa do País. No entanto, em que pese se tratar quase de um costume em certas localidades, essa conduta é proibida pelo ordenamento jurídico pátrio.

A Constituição Federal de 1988 entre os princípios basilares da Administração Pública a impessoalidade, ao lado da legalidade, publicidade, moralidade e eficiência. Com relação à impessoalidade, princípio é violado diretamente pela prática do nepotismo, é traduzida na ideia que a “atuação do agente público deve se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando beneficiar ou prejudicar ninguém em especial[2]”.

Com efeito, o princípio da impessoalidade busca que a atuação administrativa não discrimine as pessoas, seja positiva ou negativamente. Celso Antônio Bandeira de Mello[3], ao analisar o princípio, esclarece que a Administração deve tratar a todos sem favoritismos, nem perseguições, simpatias ou animosidades políticas ou ideológicas.


Embora não recorrente em concursos, é importante constar, ainda, que o nepotismo ofende, ainda que de forma indireta, o princípio da moralidade administrativa, a qual impõe ao gestor público atuação proba, ética e de boa-fé. Não há como negar que a prática é imoral do ponto de vista administrativo.

4. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


A questão do nepotismo chegou à Suprema Corte Brasileira. Ante a reiteração do tema, foi editada por aquela corte a Súmula Vinculante nº 13 com a seguinte redação:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 

Com relação ao teor da súmula inicialmente devemos lembrar que, em consonância com o disposto no art. 103-A do texto constitucional, possui efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Ainda é importante colocar que, ao editar a norma vinculante, o STF não pretendeu esgotar todas as possibilidades de nepotismo na Administração Pública. Em outras palavras, a súmula busca traçar moldura fático-jurídica em seu enunciado. Assim, é permitido aos demais órgãos ou entidades editar atos regulamentares ou vinculantes para orientar a atuação quanto à configuração do nepotismo[4].

Significa dizer que todos os órgãos da administração pública (incluindo o Poder Legislativo e Judiciário na função atípica de administrar), em todos os níveis, devem observar o seu teor, bem como o Poder Judiciário na função jurisdicional. Lembremos, contudo, que o efeito vinculante não obsta ao legislador de criar lei em sentido contrário.

É importante pontuar, ainda, que a súmula veda a nomeação de cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau. Isso é importante lembrar, e as bancas gostam de brincar com esse ponto. Não podem ser nomeados, portanto, pai, mãe, avós, bisavós, filhos, netos e bisnetos, sendo estes parentes em linha reta. Em linha colateral, veda-se a nomeação de irmãos, tios e sobrinhos.

O verbete vinculante não permite a nomeação para cargos de chefia, direção ou assessoramento ou ainda de função gratificada, não alcançando, contudo, a nomeação por concurso público. Inclusive, com base neste entendimento, o STF entendeu que “a norma antinepotismo deve incidir sobre cargos de provimento em comissão, as funções gratificadas e os cargos de direção e assessoramento”, retirando da incidência os servidores admitidos mediante concurso público, ocupantes de cargo de provimento efetivo[5].

A Corte Suprema entende, ainda, que a súmula não alcança os cargos de natureza política, os quais são de agentes do Poder, não consistente em cargo em comissão ou função gratificada[6]. Nesses casos, a corte divide os agentes políticos dos agentes administrativos, deixando claro que a vedação ao nepotismo somente alcança a estes.

Os cargos políticos, no entendimento da corte, são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundados na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando seus ocupantes enquadrados como agentes administrativos[7].

Dessa forma, um Prefeito pode nomear seus parentes para cargo de Secretário, desde que preencha os requisitos técnicos para ocupar o cargo e não configure fraude à lei ou inequívoca falta de razoabilidade da indicação, sem que isso, por si só, configure ofensa ao princípio da impessoalidade.

Acrescente-se, ainda, que a norma de vedação ao nepotismo não exige a edição de lei forma para coibir a sua prática. A proibição à conduta nepotista decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, prescindindo de lei regulamentadora, conforme entendimento fixado em sede de repercussão geral pela Suprema Corte[8].

Outro tema que gera dúvida é quando for nomeado para cargo em comissão ou função de confiança algum parente de servidor efetivo constante nos quadros do órgão. O entendimento que prevalece nessa situação é que para configurar o nepotismo, a autoridade nomeante deve ser investida em chefia, direção ou assessoramento, e a verificação deve ser procedida na data da nomeação[9]. É necessário, inclusive, existir vínculo de subordinação entre dois cargos de comissão de assessoramento, exercidos por parentes, para configurar nepotismo[10].

Assim, se João é servidor efetivo numa repartição pública, porém não ocupando cargo de chefia, direção ou de assessoramento, Maria, sua esposa, pode ser nomeada em cargo em comissão no mesmo órgão, sem que isso represente, por si só, nepotismo.


5. Considerações finais


Para sua prova tenha em mente que:

a) o nepotismo é vedado pela Constituição Federal, em virtude da ofensa direta ao princípio da impessoalidade, dispensando inclusive que lei ou ato normativo regulamente sua proibição.

b) não é vedada a nomeação de parentes para cargos políticos, não alcançando os agentes políticos a vedação constante na Súmula Vinculante 13.

c) a vedação ao nepotismo é objeto da Súmula Vinculante 13 e, com isso, abrange toda a Administração Pública, direta e indireta, em todos os níveis federativos. Aplica-se, pois, aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, empresas estatais, autarquias, fundações públicas, municípios, Estados, Distrito Federal, Territórios, etc..

d) o enunciado da Súmula alcança os parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau.

Espero ter ajudado com o artigo. Mais informações podem ser colhidas nos votos que coloquei no rodapé.









[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O que é nepotismo? Disponível em < https://www.cnj.jus.br/o-que-e-nepotismo/>. Acesso em 08/07/2020.
[2] CARVALHO, Matheus – Manual de Direito Administrativo – 6ª Ed. 2019. Fls. 70.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira – Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 26ª ed. 2009.
[4] MS 31.697, voto do rel. min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 11-3-2014, DJE 65 de 2-4-2014
[5] ADI 524, voto do rel. min. Sepúlveda Pertence, red. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 20-5-2015, DJE 151 de 3-8-2015.
[6] RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, voto do min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008, Tema 66
[7] Rcl 7.590, rel. min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 30-9-2014, DJE 224 de 14-11-2014.
[8] Tese definida no RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008, Tema 66.
[9] MS 28.485, voto do rel. min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 11-11-2014, DJE 238 de 4-12-2014
[10] Rcl 28.164, rel. min. Alexandre de Moraes, dec. monocrática, j. 27-3-2018, DJE 61 de 3-4-2018

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